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sábado, 2 de julho de 2011

Humores, amores, cores.






Você estava lá e eu também. Eu não te via, você não me enxergava e o tempo passava. Foi num dia comum que você se encantou por uma saia comum. Nesse dia eu tive sorte, porque a saia era minha. E foi assim que você não me viu (de novo), mas quis me ver. E foi assim que eu vi os seus olhos brilhando. E eu, narcisista que sou, ali me apaixonei. Primeiro por mim e depois por você.

Uma vez eu fui adolescente. (Não de alma, de corpo mesmo. Sim, eu sei que adolescente ainda sou, é claro, pois assim é a alma feminina.) Naquele tempo eu tinha um “anel do humor”. Conforme eu mudava de humor o anel mudava de cor. E eu me sentia toda especial por provocar alterações na cor daquela coisa. Eu era responsável pela existência de alguma cor no mundo. E isso era incrivelmente bonito.

Uma vez eu olhei nos seus olhos. E percebi que conforme você me adorava ou me gostava, me odiava ou me amava, não me suportava ou me desejava, os seus olhos mudavam de cor. E eu me senti absolutamente importante por provocar mudanças naquelas bolas de gude que o seus rosto carregava, que ora eram brilhantes, ora eram opacas.

Mas aí a coisa foi mais longe. Fiquei intrigada e curiosa: como é que ele consegue? O que é que eu sou para ele? E então eu descobri que dependendo da cor do seu olhar, a minha alma mudava de cor! Êxtase ao descobrir que eu tinha uma fábrica da Faber Castell internalizada na minha áurea. Plenitude ao me dar conta de que as cores, os humores e os amores eram mais, muito mais do que pobres rimas.

Eu queria saber o que tinha por trás daqueles olhos instáveis. Você queria saber o que havia embaixo daquela saia. Mistérios bonitos, cada um ao seu modo. Tinha tudo pra ser um amor desses que a gente lê e se encanta, mas que é só literatura. Desses amores platônicos que só por serem platônicos é que são eternos. Mas, não. Nós fomos atrevidos e curiosos. Quisemos saber o que é que o outro escondia.

Eu enfrentei os meus fantasmas, encarnados no seu olhar. Você enfrentou os seus deuses, que se escondiam debaixo da minha saia de crochê. Uma saia cheia de nós. Um par de olhos cheios de eus.

Mas ainda assim não bastava. Mistérios desvendados, nós desfeitos, e queríamos mais. Saber mais. Ocultar mais. Brincar mais. Mais eu, mais você.

E é desde então que a gente vem procrastinando o nosso fim. Tudo o que nasce está condenado à morte, até mesmo o amor. Eu não sei até quando isso vai durar. Eu não sei se vou te amar para sempre. Eu não sei até quando você vai me amar. E eu não me importo.

Porque pra mim o amor é justamente isso: é não estar inscrito no tempo. Se amanhã os nós acabam, se amanhã os nós viram uma linha soltas, se amanhã nós acabamos, nós cansamos de somar eus para fazer mais nós, eu ainda assim continuarei te amando, em algum lugar. Porque o infinito é a absoluta ausência de tempo, e é lá que o meu amor ecoa.


(Mas por via das dúvidas, todas as noites eu refaço os nós que você desata. Ao melhor e mais mitológico estilo Penélope-ao-avesso)



20 comentários:

Alicia disse...

O amor eterno é o amor impossível.
Os amores possíveis começam a morrer
no dia em que se concretizam.

Eça de Queiroz

Anônimo disse...

que doce, bonito, triste, bonito, bonito...

Penélope esperando que Ulisses nunca venha, porque se vier... :)
O amor nunca pode chegar de vez, senão nos derruba. É imenso, como a morte. Adiamos o que não nos cabe por inteiro no instante, então vamos nos dividindo até a eternidade.

cafundó disse...

Acho que é a primeira vez que choro com sua poesia...
Inundou minha alma e estou completamente roxa!
Beijos!

Danelize Gomes disse...

fiqueeeeeei boba lendo o último parágrafo!
que maneira doce de falar de amor *-*
Juntar eus e fazer nós, dá trabalho.
Tem gente que desiste e o amor acaba, mas mesmo assim o amor sobrevive.
O Amor é mágico,único e absolutamente lindo *o*

Adorei teu texto, minha ídola mãe!

Ayanne Sobral disse...

Pouco antes de ler seu texto eu ouvia uma música que dizia assim: "Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome. Cores de Almodóvar, cores de Frida Kahlo. Cores". Até me espantei quando cheguei aqui e li o título porque - sabe-se lá o motivo - a música, que eu já ouvi diversas vezes, ficou perpetuando versos em mim.

Adorei o seu texto porque ele me deixou sem palavras e eu fiquei imaginando cenas, uma sequência de imagens que culminaram na pura essência da poesia.

Ando sonhando com esse infinito, lá onde o amor ecoa, com essa dança ininterrupta de corpos de fios entrelaçados, deslizando suaves entre os compassos de um par de corações cantando tum-tá, onde se presta atenção em cores-sem-nome.

Palmas pra você que nos permite saborear instantes em que as palavras - que são suas - vão se aninhando no olhar e infiltrando pela alma. E revela o segredo de superlativar a vida.

Muito carinho, assim, superlativo.

Luz disse...

Alícia, como é bom vir aqui e desabochar mais um pouco...

Quanta beleza há no mistério, quanta vontade há no que procuramos e nunca encontramos...

e que não se encontre nunca para que se busque sempre!

Assim seja!

Anônimo disse...

http://www.youtube.com/watch?v=oGDCTlVWduk&feature=player_embedded

Morgana Medeiros disse...

E como diz a canção "só uma palavra me devora, aquela que meu coração não diz."

Os amores podem ser eternamente inesquecíveis, mas o que são eles diante de "quase-amores"?! O mistério tem poder de atrair.

Escreves lindamente!! Parabéns!! bjuss...

Morgana Medeiros - http://mmedeiross.blogspot.com/

Mente Hiperativa disse...

Alicia, preciso te confessar uma coisa, já faz um tempo que te 'descobri', que te sigo e comento tuas postagens, mas eu preciso dizer, eu preciso revelar esse segredo: eu sou apaixonado por ti, apaixonado pela alicia-poetisa-escritora-malabarista-das-palavras-desvendadora-de-misterios-da-mente-humana-esclarecedora/confundidora-de-sentimentos-e-outras-coisas-mais.

Cada vez que eu leio algum texto seu eu fico extasiado, inspirado, animado, enfim, eles sempre mexem comigo de alguma forma.

E nesse momento receio que você esteja feliz-vaidosa-super-egóica e me achando um doido, doido por declarar que me apaixonei por uma Alicia-poetisa que nem conheço. Talvez não te conheça pessoalmente, mas conheço um pouco do que se passa na tua cabeça, nos teus pensamentos, conheço aquilo que tu deixas trasparecer, e também um pouco do que tentas em vão esconder, sim, porque essa parte também escapa da nossa mente no meio das palavras que dizemos e fica impregnado nas entrelinhas do que escrevemos.

Enfim, eu precisava dizer isso, te admiro, ainda que à distância.

Bjo, e continua escrevendo aí, manda ver!!!

Unknown disse...

"Amor não resiste a tudo, não. Amor é jardim. Amor enche de erva daninha" - Caio F. Abreu
Que a Penélope e o Ulisses continuem cuidando do jardim.
Abraço

Alexander disse...

Olá, Alicia!

Que lindo texto! O amor é esse arco-íres dentro de nós, irradiando energia para as outras pessoas. Procuro sempre captar o que tem de melhor ...

Beijos coloridos!

Thaís Alves disse...

Concordo com o comentário do Ivan, amor não resiste a tudo, é necessário cultivar. Para continuar procrastinando o fim, basta cuidar e cuidar... Um beijo!

Carina Destempero disse...

Comentário completamente adolescente. Aliás, infantil:
se a alma muda de cor conforme o humor, aposto que o amor é aquele verde-água/azul-piscina raro, que todo mundo quer e ninguém consegue definir exatamente o tom...

Adorei o texto!
:)

Ivan Calaça disse...

Bonito e singelo. Também com uma ponta de melancolia, mas qual amor não é um pouco melancólico? Vasculhando sua alma pra escrever este texto, você retratou muitas outras, com certeza; inclusive uma pontinha da minha.
Entre cores e saias, e almas e anéis, espero encontrar também um amor assim, como o do texto, que mesmo instável insista em "ser nós", sem querer desatar, apesar de tudo.

Só tenho a agradecer pelo que leio aqui. Obrigado.

Roberta Blá disse...

O seu texto realmente me emocionou. E as coisas que de me tocam, me fazem perder as palavras. Elas devem estar em algum lugar do meu coração, pertinho das palavras que li aqui. Adorei!

NDORETTO disse...

Bela prosa, guria!
Beijos
Neusa Doretto

Verônica disse...

Às vezes chegamos a nos encher de TANTO que acabamos enchendo MESMO! Aiai...

Anônimo disse...

Que saudades de te ler!

Você continua a mesma, escrevendo maravilhosamente bem

Beijos, Alicia!

Bruniele Souza disse...

Como o próprio MH falou...você nos apaixona!
abraços alicia

Lívia Azzi disse...

Esse é o amor efêmero mais bonito que já li. Por mais mortal que seja já está eternizado pelas cores dessas palavras maravilhosas!