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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Soneto de infidelidade

Tem uma vertigem me comendo. Entrou pelo meu umbigo, quando eu ainda tinha um cordão umbilical que me ligava à minha mãe. Talvez tenha sido ela quem me transmitiu essa vertigem. E talvez por isso tenhamos uma relação esquisita. Amo tanto a minha mãe que se eu chegar perto demais, dói. Então me distancio pra poder respirar. A minha vertigem, quando encosta na vertigem dela, dá uma espécie de curto-circuito onde saem faíscas de amor. É terrível quando isso acontece. Quem já amou bem sabe que o amor machuca. Tal como a felicidade dói. Sentir é sempre dolorido. Mesmo quando sentir é bom. Se não dói eu não sinto. Chamo de dor tudo aquilo que me afeta. Sou masoquista da existência. Odeio sentir dor, mas odeio ainda mais não sentir. Sentir nada é a própria loucura. Prefiro o desespero das cócegas do que a agonia do silêncio do corpo. Mas sentir só é bom se tiver intervalos. Qualquer coisa só é boa ou ruim quando nasce de um intervalo. Entre eu e mim existe um intervalo. Um intervalo enorme, parece um precipício. E esse precipício é mais do que eu, é mais do que mim. Pertenço a esse precipício. Estou sempre sendo seduzida por ele, ao mesmo tempo em que me esforço para me distrair com outras coisas da vida. Tenho uma forte tendência à loucura, mas disfarço com resignação. Finjo para mim mesma que sou resiliente, e então acredito, e então pareço ser. Sou falsa comigo e faço de conta que não sei. Mas não faço isso por pura falsidade, é por não saber fazer diferente. Desde sempre sou infiel a mim, e essa é a minha mais profunda fidelidade.

sábado, 20 de outubro de 2012

Saudades de sei lá o que. Porque se eu soubesse do que era, não sentia saudade.

Sinto saudades e digo que é de você, quando na verdade é de mim que sinto falta. Sinto saudades da minha espontaneidade e da minha leveza. Do meu corpo cru e dos meus cabelos levemente mais cheios. Da minha taquicardia e dos meus desejos. Sinto saudades da criança que fui, quando era inundada em esperanças. Sinto saudades de quando eu achava que a vida de gente grande era melhor do que a de criança. E sinto saudades de achar que a vida de criança era melhor do que a de adulta. Saudades, pra mim, é um bicho estranho. Não sei dizer bem onde ou como é, nem onde é que sinto. Amor eu sei que sinto no peito. Paixão eu sei que começa no peito e se espalha por todo o corpo (até pelos cabelos e unhas). Mas saudades eu não sei em que lugar do corpo que machuca. E quando a saudade se mistura com culpa, acho que vira angústia e fica ainda mais esquisito. Não é culpa. Acho que raramente eu faço coisas que me gerem culpa, costumo pensar e analisar demais antes de agir, até porque tenho medo de sentir culpa. Isso, sinto medo. É um misto de saudades com medo. Quando um sentimento se mistura com outro, eu chamo de angústia, porque não dá pra definir o que é que acontece, os sentimentos não são como água e óleo, eles não só se misturam, mas se confundem. (Tem um nome pra isso, né? Acho que aprendi na aula de química) Enfim, acho que o amor é a única mistura de sentimentos que não é angustiante. O amor pode machucar, mas acho que ser angustiante, não. E eu já não concordo com mais nada do que escrevi aqui. Saudades de quem eu era quando comecei a escrever esse texto. Ah, estou insuportável hoje.

domingo, 7 de outubro de 2012

Me beije a boca do estômago

Minha alma quer fugir do meu corpo para se fragmentar do universo.
Quero entrar em combustão espontânea e tirar férias de mim.
Preciso de uma existência que formigue, de um amor-tecido.
Quero deitar minha cabeça em seu peito, e então parar de respirar, enquanto o sangue que corre pelas suas veias ande cada vez com menos pressa, até então, p a r a r .
Te quero lambendo a minha alma.
Me beije a boca do estômago.
Abrace o meu sorriso triste.
Meus olhos cansados pedem cafuné.
Ah, mas nossa, Alicia, que palavras deprimentes.
Parece tristeza, mas é só cansaço de ser.
Roube-me de mim, por favor.