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terça-feira, 5 de julho de 2011

Eu existo demais



É tudo muito esquisito. O meu corpo não se sente à vontade no mundo. E eu não me sinto à vontade no meu corpo. Tenho uma existência irritante que se põe a fazer perguntas sem respostas, incessantemente. Algo me corrói e tudo o que eu não sei é me render. É isso. Não se trata de uma escolha proposital. Eu sofro é de falta de recursos. Talvez eu desistisse da vida, se soubesse como. Eu possivelmente desistiria do amor, se tivesse alguma notícia de onde é o caminho da forca.

Mas eu só sei ver o brilho, insisto como ninguém e faço da esperança a minha amiga chata. Eu perdoo. Facilmente. Sou fraca e o rancor me exaure. Tenho ótima memória para fatos, mas sou puro Alzheimer com lembranças desafetuosas. Se você olha além de mim, se você me toca buscando me sentir, eu me desfragmento. Eu não acho isso nem um pouco bonito, racionalmente. Mas é incrivelmente prazeroso quando você me faz em pedaços.Porque quando eu fico brava, quando estou fula, me sinto inteira. Toda cheia de razão, toda cheia de argumentos, toda toda. Mas é quando você me encosta que eu vivo, de fato. No mais eu só sei existir.

Sou um corpo desadaptado que carrega uma alma desadaptada, mas com um "q" de conformada com essa minha inaptidão pra viver. Mas, ah, quando você me toca... eu não sei dizer. É como se a minha alma chorasse. Como se a minha existência pulsasse. Como se cada parte do meu corpo fosse pra uma dimensão diferente, e então eu ficasse liberta. É isso. Quando você me aperta, me deixa livre do meu corpo. Quero colo. E não é um pedido de menininha carente (apesar se eu ser bem boa nisso). Quero colo porque quero que você dê conta do meu corpo, ele é pesado demais para mim . Preciso respirar, mas eu me consumo tanto... Consuma-me. Pra eu poder sumir um pouquinho.

20 comentários:

Vanessa Souza disse...

Desistir do amor, quem sabe, seja a desistência mais dolorosa...

limon_y_sal disse...

Que texto!

Bruniele Souza disse...

uau!suspirei aqui...realmente o nosso eu não consegue nos conter! O nosso desejo é sempre ir além dos limites do corpo, da alma e do espaço.
Adoreiii
S2

Luiz Carlos Sahge disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luiz Carlos Sahge disse...

Eu conheci uma vez alguem que era como você se descreve nessas linhas cheias de lirismo: Alguem que tranbordava humanidade. E como você, ela deixava essa humanidade afluir em palavras repletas de inquietação poética.

Receio que ela tenha afinal, encontrado o caminho do seu nirvana, mas não teve a amabilidade de deixar um mapa indicando a direção ou pegadas que pudéssemos seguir.

Maravilhosa postagem! Como sempre...

Anônimo disse...

"Quero colo porque quero que você dê conta do meu corpo, ele é pesado demais para mim".

Ouhn ^^

Graça Pereira disse...

Um texto bem escrito, interessante e ao mesmo tempo, curioso!
beijo
Graça

Andreza Salvio disse...

Texto envolvente. Imagem também.

Danelize Gomes disse...

aaaaaaaaaaaaaaaaaaaah! Tudo que se passa aqui, você expressou e sentiu aí. Nossa, cada vez mais, você se torna minha musa.
A perfeição em forma de palavras.

"suma", "consuma". Talvez sim, talvez. Só preciso de um espaço,para eu poder ME ter de volta.

Amei *-*

Edu Lazaro disse...

Tem imagens que o quebra cabeça só mostra depois que montadas pela segunda vez, e as peças, mais acostumadas e frouxas, revelam o desenho da caixa...

Lívia Azzi disse...

Venho aqui te ler, mas sou eu quem sumo com suas palavras, Alicia!

Porque sabes fazer uma brincadeira tão gostosa e envolvente que nos consome todas, adolescentes...

HARDMAD disse...

Eu também desistiria da vida se soubesse como.

Ayanne Sobral disse...

Ai, ai, como não se encantar quando a gente encontra, em textos, um espelho?

Aqui em Caruaru, Pernambuco, tem uma pessoa que se sente assim também: que se remexe dentro de um corpo, que tem um corpo que se remexe dentro do mundo e que, às vezes, deseja apenas uma inexistência tenra. Mas que sabe que há um lugar onde existir é possível.

Esse texto está na minha coleção dos mais bem escritos da humanidade, Alicia. Suas palavras são carinho na minha alma, você fala de sentimentos com a propriedade que os sinto e isso me fortalece - saber que os sinto. E que não estou só nesse sentir. Entende? Entende, eu sei.

É tão leve estar aqui, é tão bom ler essas palavras que parecem ser fiadas a mão, cada detalhe.
Por isso que eu sou tua fã, por isso eu te admiro tanto, por isso adoro te ler. Por isso e por tudo o mais.

Nara Sales disse...

A vida corrói e faz doer, mas o amor do outro nos desfragmenta e faz com que nos sintamos vivas.

Teresinha Oliveira disse...

Viver é mesmo carregar garga pesada, que dói nos músculos. Se aí o amor ameniza, aqui não faz nada. Só enfeita um pouquinho, os dias de azul.

Lê Fernands disse...

obrigada. me vi aqui!


=)

bjsmeus

Aline disse...

é clichê, mas o que nos resta é continuar a viver com um resquicio de qualquer lembrança

Rafael Castellar das Neves disse...

Difícil, hein? Bem pesado....

Muito bom o texto e muito engraçada a imagem..rs

[]s

Ryanny disse...

Adorei. Encontrei no texto algo que se parecia com alguma coisinha aqui.. não sei bem o que - ou sei. Boa prosadora você. Foi um prazer conhecer seu espaço. :)

Luz disse...

Eu ouvi uma Clarice aqui...

"Tenho ótima memória para fatos, mas sou puro Alzheimer com lembranças desafetuosas. Se você olha além de mim, se você me toca buscando me sentir, eu me desfragmento."

Infinito é sentir-se fragmentar-se e ser inteira ao mesmo tempo...
Ai que lindo!

Lembrou-me um foco de luz-dividido-e-unido iluminando todo um ambiente!

Atravessou-me!

Abç :)