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domingo, 15 de maio de 2011

Um gole de realidade




Abro mão dos meus sentidos, abro mão da minha lógica – por menor que seja. Arrumo a postura, estico um braço pra cada lado, fecho os olhos e jogo-me no abismo. Corajosamente, sem sequer olhar pra baixo. Não vejo mais. Não ouço mais. Emudeço. As minhas fronteiras somem a ponto de me fazerem pensar que elas nunca existiram. Onde é que acaba o meu corpo e começa o seu?

Tu piscas, e o meu olhar se lubrifica. Tu respiras, e no meu corpo sobra o ar. Tu olhas, e eu vejo. Tu dizes, e a minha boca se move. Tu beijas e eu sinto o gosto. Tu beijas e eu boca. Tu respiras e eu pulmões. Tu...eu...Nós. Aperta. Vira um. Sumi ou eu finalmente existo?

Então, é com a falsa inocência de uma criança, que eu olho para as minhas mãos. Abro-as, fecho-as, descubro que elas são minhas. Ganho mãos. Percebo que são os meus olhos quem as veem, e os de mais ninguém. Ganho um par de olhos funcionais. Dou-me conta de que sou eu quem penso isso, sozinha. Ganho um cérebro. Fecho os olhos e novamente, sei que tenho um corpo, que existem fronteiras, e tomo um bom gole de realidade. Aos poucos, ganho o meu corpo inteiro faltoso, novamente.

Pensava ter caído no abismo. Oras, e como é que vou voltar?. Abro os olhos e me vejo presa à beira do precipício. Descubro que, por mais que me sobre coragem, por mais que eu me afogue no desejo de me jogar – eu não caio. A minha neurose me prende na linha tênue que diferencia o chão do não-chão. Não sou abismo. Eu sou borda.

32 comentários:

Carina Destempero disse...

Borda é bom, borda contorna vazio. Quero ser borda também, me ensina?
:)

Ayanne Sobral disse...

Uau, Alicia!

Mas nós estamos sempre presos na linha tênue que diferencia realidade e fantasia.
Amar talvez seja isso: se confundir no corpo do outro. Inscrevê-lo no seu. E, vezenquando, tomar goles de realidade para lembrar que o corpo é nosso e que ele falta - é borda. Limite.

Suas palavras sentidas se transformam em sorrisos de alma que contagiam as almas alheias - a minha, por exemplo. Sempre.

Eu sou fã, cê sabe.
(:

Anônimo disse...

Ganhar mãos e ir pro abismo, parece o nascimento - é assim que ficamos diante da vida.


http://letras.terra.com.br/u2/79549/traducao.html

Camila Alves disse...

Já sonhei várias com essa borda e ainda tento alcançá-la. E é tão difícil, né?

Beijoooos e abraços!

Danelize Gomes disse...

A borda é o limite de cada um. Abismo pode ser o que queremos e podemos não ter. Sei lá.
Amar é quando dois,viram só um.

Adorei teu texto! Tuas palavras me confortam!

Lê Fernands disse...

"sou borda.
sou medo de pular.
sou corpo caindo.
sou no chão esborrachar.

sou olhando de cima.
sou agonizando lá de baixo.
sou levantando aos arranhões.
sou de novo pular. eu acho."


fernand's



bjsmeus

Ingrid disse...

um vácuo que nos toma..
tua intensidade nos leva..
beijos e boa semana Alicia.

Lívia Azzi disse...

A borda é “quando é concedido participar um pouco mais” e percebemos que "amor é não ter", somos seres faltantes e não há "meio corpo/outro corpo" algum que completará nossas faltas. Ela é uma demanda, como no conto: “O ovo e a galinha”.

;-)

Mila Ferreira disse...

Nossa... a borda... acho que todos deveriamos ser uma, esse negócio de ser e fazer parte dos outros nos torna imensamente sem noção.

bjs.

Anônimo disse...

Ultimamente venho descobrindo que, ao contrário do que eu pensava, não sei amar assim. Acho até que não sei amar. E não sei se essa descoberta me deixa amargurado ou aliviado.

Anônimo disse...

Nossa, como meu comentário foi narcisista! Nem falei nada sobre seu texto, só falei de mim...

Bom, você já sabe minha opinião sobre sua escrita. Hoje eu realmente precisava falar de mim, rs. Obrigado.

Karoline Serpa disse...

Confundir-se no outro não é amor. Amor é outra coisa.

Confundir-se no outro é amar.

aMOR = MOR = Algo MAIOR.

aMAR = MAR = Infinito.

Alícia,

Saber definir "o amar" não é para qualquer um. Assim como ser borda. E se você é borda, já não é não toda. Bordas contornam e palavras preenchem.

Você tem bordas e palavras.
Você é toda.

Grande abraço!

cafundó disse...

Lindo... O texto e o contorno que é vocÊ! Mais uma vez, brilhante!

Teresinha Oliveira disse...

Quem anda muito rente às bordas tem esse fascínio: se jogar no abismo. Quem sabe espera, na hora H, criar asas. Mas a vida só vale assim, andando no limite, pelo menos dentro da própria cabeça.
Sempre sonho com precipícios, mas minhas escadas, loucas, rachadas, quebradas, de lama, sem corrimão, me ajudam a descer. Como não tenho desejos de passarinho, me agarro à elas.

Verônica disse...

Antes de ser DOIS em UM... é VOCÊ, ELE e, depois, o NÓS.

Bom você enxergar-se como sua...
:)

Fernanda H.A. disse...

LINDO!
Me encantei profundamente com seu texto! Parabéns!

Marcelo Henrique Marques de Souza disse...

estamos o tempo todo nas ondulações que esbarram as bordas no abismo... e esse texto foi um profundo mergulho, com o mérito de parcializar-se na volta...

a borda é um senhor passo.. e muito mais que a terra firme e seu tédio que definha a alma...

Minne disse...

O medo é constante mas a coragem deve superá-lo às vezes. Fazer por inteiro, ser inteira.

Lilian disse...

Transfere pro meu corpo os teus sentidos...Canta a Zélia.
Lindo by the way.
Um beijo.

Flá Costa* disse...

Incrível.
Acho que eu sou borda também.

A.S. disse...

Os abismos são puro fascinio! Todos temos asas, mas apenas alguns ousam alçar o primeiro voo!...


Beijos!
AL

Nara Sales disse...

Talvez, um dia você descubra que o motivo pelo qual você se viu inteira foi justamente por ter lançado-se no abismo.

Cynthia Osório disse...

a qualquer sinal de adequação se descola pinta e borda!

Beijos!

Priscila Lopes disse...

Gosto muito da tua escrita, acho que já comentei isso antes; eu me identifico com ela, e identifico nela autores de que gosto.

Ananda Sampaio disse...

Porque será que amar o outro nos invade tanto..a ponto de não podermos mais lembrarmos como é suspirar sozinho...

por que nós doamos tanto a ponto de esquecermos de nossa própria autonomia?

Talvez porque seja conveniente, ficar nessa zona de conforto onde tudo deixa de ser inteiramente sua responsabilidade e passa a ser responsabilidade a dois..

Pena é q qnd temos q continuar com nossas próprias pernas... o q parece restar é um percurso longo e e difícil...

=*

Lia Araújo disse...

Sou abismo mesmo! Mas, deve ser legal ser borda...

obrigada querida, pelos votos de feliz aniversário... foram muito importantes! obrigada de coração!

bjos

Fred Caju disse...

Ser borda, ser abismo:
transborda romantismo.

Multiethnic disse...

Ser borda é, devagar, descobrir que ninguém é, de fato, abismo.
Ser borda é "ser"; o abismo é só um "estar".

Multiethnic disse...

Ser borda é, devagar, descobrir que ninguém é, de fato, abismo.
Ser borda é "ser"; o abismo é só um "estar".

Multiethnic disse...

Ser borda é, devagar, descobrir que ninguém é, de fato, abismo.
Ser borda é "ser"; o abismo é só um "estar".

Anônimo disse...

O jogo entre "o que é que somos" e "cromossomos" foi absolutamente genial! Não só pela rima, mas pelo sentido dos versos e do contexto geral.

Você pergunta se vivemos mais de fantasias ou de pura realidade. Eu não tenho respostas, mas penso que é na tensão entre ambas que estamos equilibrados. Um equilibrio frágil, que pode ser rompido por qualquer brisa.

Anônimo disse...

Opa, comentei no post errado. Tá vendo no que dá fazer comentários em pleno domingo? Pior do que isso, só comentando na segunda-feira mesmo...

Vou colar a o comentário no post certo.