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domingo, 9 de março de 2014

Do que muda sem se calar

Até ontem eu não era eu e não me lembro bem quem eu era. Queria sentir saudades de mim pra poder resgatar um pedaço de quem fui. Mas sou cada vez mais presente. O passado me marca no real do corpo e é por isso que sei que vivi. Os desenhos que o tempo faz no meu rosto, com cada vez mais ânimo, é que dizem da minha idade. Eu seria capaz de dizer que nasci há 5 minutos. Sou cada vez menos feita de passados. Logo eu, que tenho uma memória tão boa. A vida marca cada vez mais o meu corpo e cada vez menos a minha alma. Há um descolamento entre corpo e alma que dói menos a cada dia. Eu gosto da dor, gosto de dores que não doem. Gosto de tudo aquilo que me lembra que estou viva. Cada vez preciso menos escrever, isso me assusta. Não sou  quem pensei que eu fosse um dia. Não sou mais quem eu pensei que sempre seria. Não há em mim nenhum traço que permanece, a não ser os que o tempo desenha no meu corpo. O que há de mais antigo em mim é uma celulite no glúteo direito. O resto é tudo novo, e o novo me acende a vontade de renovar ainda mais, e a vontade exacerbada de me ultrapassar a todo o momento me deixa assustada, e o susto já não vem mais com o medo, agora o susto aparece inundado de desejo de querer mais, e eu tento parecer com quem eu era, por costume, ou pra não assustar as pessoas, ou por realmente não saber o que fazer com quem sou hoje. Não adianta eu aprender a lidar comigo hoje, amanhã serei outra, e depois outra, e depois outra, e talvez em algum momento algo meu se fixe a mim.

6 comentários:

Ferr disse...

Você muda, muda e continua incrível.
Amo ler teus textos!
As vezes meio confusos e rápidos demais. Difícil entrar no teu ritmo de vivências mas é muito bom. Penso que tua alma é velocista menina.

Danelize Gomes disse...

Grande qualidade a sua de ser uma a cada dia, isso é um dom. Você ainda precisa se descobrir por inteira pra uma de ti se prender.
E aí então, teu corpo e alma serão um só.
Beijo, sua linda!

Unknown disse...

A cada dia você escreve melhor, incrível a facilidade que tem de brincar com as palavras falando muito de si e ao mesmo tempo de um todo que nos cerca, obrigada pela partilha.

insonne disse...

Há tempos não vinha falar com ela/você, talvez pelo motivo de você não nos ter falado.
Embora não tenha marcas pelo corpo, minha alma está cheia delas. Queria ter sua sorte de não tê-las.
Dores nem sempre nos faz sentir vivos.
E embora tudo se fazendo novo, nós somos mesmo feitos de passados, de ontem's.
E que teus passados, e teus recomeços não lhe roubem o desejo de escrever. Que o novo que te bate a porta lhe traga também inspiração para falar por aqui.
Lindo texto Alícia!

Mente Hiperativa disse...

Mudar, mudar, sem jamais perder a essência mutante! Quem está aberto à mudança vive um eterno aprendizado, uma reprogramação constante que leva a uma enorme riqueza e, sobretudo, a uma imenso poder de entendimento do outro. Admiro quem muda, quem passeia por diversas possibilidades e se permite conhecer um pouco de cada coisa, ou muito de várias delas. A cada mudança, um gole de sabedoria.

Beijo

Graça Pereira disse...

Há muito que não passava por aqui...estive ausente !
Um texto soberbo que me assustou um pouco...porque parece roupa certinha para o meu corpo!
É bom mudar e a vida se encarrega disso...o importante é a alma ser sempre a mesma...então podemos ter todas as idades que quisermos..é só uma questão de sintonizarmos a onda.
Quero voltar aqui e ler mais coisas tuas...daquelas que fogem mas deixam um sentimento.
Beijo
Graça