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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Viver morrer escrever


Lembro-me de dizer aqui o fato de eu não gostar das coisas que eu escrevo. Pode parecer hipocrisia minha, e talvez seja mesmo. Às vezes eu gosto do que escrevo. Não é um gostar imediato e é por isso (ou por preguiça mesmo) que não reviso o que eu escrevo antes de postar. Mas quando alguém “desenterra” um texto meu, ou seja, quando leio algo que escrevi há tempos, às vezes acontece de eu gostar. Estou dizendo isso porque me parece que nos últimos tempos não gosto das minhas coisas. E aqui eu nem me refiro à escrita, porque eu nem tenho escrito mesmo, mas me refiro aos meus pensamentos. Acho que uma pessoa  escreve porque gosta de algum pensamento seu, e aí decide dar um gole de vida própria às palavras. As minhas palavras estão secas, e os meus pensamentos estão cinzas. Está sem-graça. Talvez a vida real esteja me tomando mais que o usual. Talvez eu esteja dormindo. Digo isso porque no primeiro texto que escrevi aqui, eu disse “escrevo para acordar”, fazendo referência à minha péssima mania de viver no modo piloto automático. Mas veja, acho que agora, por exemplo, estou escrevendo no modo automático. E porque eu supus isso, não estou mais. É como num sonho, você não sabe que está sonhando, até que duvide de que ele seja mesmo a realidade, e ai acorda. É como na realidade, você não sabe que está na realidade até duvidar dela e pensar na possibilidade de tudo ser apenas um sonho, e aí não acorda, e porque não acorda, acorda. Mas é claro que isso está ficando confuso, é sempre assim quando eu escrevo, e é por isso que eu acho que escrever me desperta, porque a realidade não é nítida, a vida não é óbvia, o ser humano não é previsível, a escrita não é clara. Não sei se escrevo porque algo me dói, ou se escrevo pra algo me doer. Duvido da minha existência quando não escrevo. Mas estar amortecida, por vezes é bom, ou é necessário. A morte sida. Também a morte me seduz. E é por isso que vivo. Viver é andar em direção à morte. 

14 comentários:

Ferr disse...

As vezes me sinto assim, como alguém que escreve pra ver se realmente está viva. Como você mesmo disse, "é preguiça" ou sei lá um certo comodismo de querer expressar tudo em palavras.Por vezes queremos algo a mais, como se a escrita nos fosse redentora.Nem sempre é, mas a gente insiste em escrever.Um dia por certo todos os sentimentos caberão nas palavras (ou não). Vamos vivendo e escrevendo pra saber.
PS: Duvido que você não revisa o texto antes de postar.

Sandro Ataliba disse...

Como eu havia colocado no layout antigo do meu blog: "penso, logo escrevo."

Anônimo disse...

Nesse texto vi uma ligação direto com o "Minha ausência me salva". Esses textos são mais uma prova de que a vida é o tempo todo pontuada por momentos de não-vida, de ausência.

Que valor tem o despertar, se não adormecermos?

De que nos valeria adormecer se não pudéssemos acordar?

Que valor teria a vida se não houvesse a morte?

Como nasceríamos se um dia não morrermos?

Loridane Melchior disse...

Alicia,

O texto vai ficando confuso, é. Tudo se confundindo por causa desse jeito visceral na sua escrita.

Vida, sentidos, sentimentos ... uma confusão só.

A Lispector dizia que escrever era sua liberdade.

Sei não.

Escrever evita que tudo exploda lá dentro, mas cobra seu preço, sempre. Nem sempre podemos pagar.

E o modo automático? Proteção, falta de vontade, cansaço?

Droga, nem ele é sempre confortável.

"Apagar" também é zona de risco.

"Viver é andar em direção à morte." É.

Bjos

Curiosidade: Toda vez que vou mencionar você no twitter quando percebo já escrevi @não_toda, saco. (Risos)

Danelize Gomes disse...

Comecei ler esse texto em SP, parei. Queria me concentrar para ler. Estou em Porto Alegre comentando.
Eu sou suspeita para falar de ti ou dos teus textos. Eu 'adoramo' (adoro + amo) tudo o que tu escreve. O que me faz refletir e quase sempre rir da vida (não sei o porque).
Acho lindíssimo ler tuas postagens antigas e ler até meus comments antigos, porque até mesmo como você, não acredito no que escrevo, vivo mudando. Afinal, só muda de opinião quem as têm.
Estou voltando de viagem hoje e estou com uma enorme saudade de te ler todos os dias. :*

Ayanne Sobral disse...

Caralho!
Desculpa, mas eu precisava começar dizendo algo que já não tenha dito sobre essa tua escrita que se transporta para o meu coração, e me parece que faz ele bater em sintonia com o seu.

Eu li esse texto e, ao fim, estava com lágrimas nos olhos. Talvez porque há pouquíssimo tempo me vi considerando a possibilidade de estar sonhando, daí tive certeza que era vida real e que eu precisava acordar, dar cor aos meus dias cinzas. Talvez porque em cada palavra tua eu vi/li Clarice, e lembrei que recorri a ela em alguns momentos de desespero, e tantas vezes me deixei morrer porque aprendi [láaqui] que certas mortes são a tábua de salvação que necessitamos para renascimentos pessoais. Ou talvez porque todas, absolutamente todas, as tuas linhas me encantam profundamente porque deixam claro que você se permite ser. E é.

Ainda bem que você existe. Ainda bem que eu te leio.
E olha: eu leio, sempre. Mesmo caladinha, eu leio.
:)

Ayanne Sobral disse...

"Morri de muitas mortes e mantê-las-ei em segredo até que a morte do corpo venha, e alguém, adivinhando, diga: esta, esta viveu.
Porque aquele que mais experimenta o martírio é dele que se poderá dizer: este, sim, este viveu".

[Clarice, em A Descoberta do Mundo, pág. 126]

Graça Pereira disse...

Tenho uma necessidade compulsiva de escrever...desde muito pequena! Estou como tu: não sei se é virtude ou vício!
Beijocas.
Graça

Thaís Santos disse...

Se um dia as palavras forem tiradas de mim, aí sim, será o fim. Será a morte.

Gostei daqui. Escreva. Viva.

Abraços, Thaís S. - Injeção de Cafeína.blogspot.com

Talita Prates disse...

A, eu ADOREI esse texto.

Não há melhor tradução para o que tenho passado/vivido/sentido/pensado.

Obrigada!

Anônimo disse...

A vida e a morte vai iniando-se ao desenrolar da prosa, o sentimentalismo e toda descritiva boa.

És sim, boa no que faz.
Fico a seguir;
Paz!

Marcelo Henrique Marques de Souza disse...

"Você não sabe que está na realidade até duvidar dela". É isso. Me lembrei de duas coisas. Uma frase do Borges: "A vigília é um sonho que sonha não sonhar". E um comentário do Bressane, quando um repórter pergunta a ele por que ele tenta sempre criar roteiros e histórias fora da linearidade cotidiana. Ele responde: "Porque o próprio cotidiano não é linear. Vai no corredor e manda alguém te contar uma história, pra você ver..". Só acha que a vida é linear quem ainda não sabe que a realidade está na dúvida..

Anônimo disse...

Olá coleeega!

Sublime o texto! Dizes coisas tão presentes nos becos abandonados de nossas vidas e que por isso cada palavra sua nos chicoteia, nos domina e depois simplesmente some... assim, simples assim!


Bjo, bjo

Se quiser, será bem-vida a visitar meu blog: http://bonecadebolso.blogspot.com/

Anônimo disse...

Bizarro como isso parece ter saído de mim. Meu, muito legal. :) Continue escrevendo sempre. Achei por um acaso e já admirei.