É estranho pensar que a vida acaba.
É claro, a gente repete esse clichê de que a única certeza
que a gente tem é que vai morrer, e blablablá, mas é tudo da boca pra fora.
O fato é que a gente nunca se acostuma com a morte, e isso é
viver.
Vez ou outra a morte aparece e me surpreende, mostrando que
nada muda quando alguém falta. Isto é, nada muda no mundo. O trânsito, as
piadas, as guerras, os encontros, o aquecimento global....tudo continua.
No domingo à noite, a morte veio aqui em casa. Ela levou um
pedacinho de Deus, que estava encarnado em um bull terrier que era a coisa mais
perfeita desse mundo. Ele estava doentinho, já tinha começado a sofrer, e de
fato, era melhor que ele descansasse. Mas não estou falando de uma questão
lógica. Até porque se tem uma coisa que não faz sentido nessa vida, é ela mesma
e a sua companheira, a morte.
Ele se foi e o mundo ficou mais amargo.
Ele se foi e despertou uma dor no peito que me entristece e
grita nos meus ouvidos: você está viva! Viver dói.
Ele se foi e não levou nada de mim. Isso realmente dói.
Quando alguém morre, dizem que morre junto uma parte nossa. Só que acho que não
é assim. Acho que o doído da coisa é que quando as pessoas morrem, nada nosso
se vai, continuamos do mesmo jeito, e essa é a angústia.
Ele se foi e me deixou inteirinha. Aliás, ele só me deixou
muito mais madura do que eu era antes de conhecê-lo. Me ensinou que o amor pode
ser leve. Não precisa sangrar o tempo todo, ser exagerado, e não preciso estar
eminentemente à beira de um precipício para ser amor. Nada disso. O amor pode
ser leve, pode ser cheiroso, pode ser doce e pode ser simples. Não sei ser
simples porque além de ser humana, sou uma mulher. Mas os cachorros, que são
pedacinhos de amor na Terra, esses sabem amar. Desconfio, aliás, que somente
eles sabem amar. E sabendo amar, sabem receber amor.
Só que eu pensava assim: cachorros são pedaços de Deus. Deus
é infinito. Logo, os cachorros são infinitos. E então, nesse domingo, eu descobri
que os cachorros também têm um fim. Eles também precisam de um corpo pra viver.
E por mais que a alma dele quisesse viver mais do que tudo no mundo, mesmo que
ele tenha sido forte e respondido bravamente ao desejo de viver, mesmo que ele
jamais tenha se queixado de dor, ou de ir ao veterinário, o seu corpo simplesmente
deixou de funcionar.
Sou infinitamente grata por você ter feito parte da minha
vida. Sou uma sortuda por ter recebido o seu amor, e ter podido te amar. Agradeço
até mesmo pelos meus sapatos (novinhos em folha, diga-se de passagem), terem
servido de mordedor pra você. Obrigada por me ensinar o amor de uma forma
absolutamente única. Estou certa de que terá a eternidade mais linda de todos
os cachorros do mundo.
(não deixo aqui espaço para comentários, porque penso que simplesmente não há nada a ser dito)