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domingo, 29 de julho de 2012

Soneca de Aurora



Sempre fui muito difícil de me encantar com as pessoas. Sou alguém legal, que se dá bem com a maioria das pessoas, sou alguém que odeia pouquíssima gente. Sou alguém que gosta de muita pouca gente também. A maior parte das pessoas é indiferente pra mim. Aí, desde sempre, enquanto as minhas amigas se apaixonavam por 3 pessoas por quadra, eu ficava com o coração encalhado. Me acostumei à calmaria de ter o controle do próprio batimento cardíaco. Aprendi a encaixar a minha alma perfeitamente ao meu corpo. E assim eu dormi na vida. Dormi, uma bela soneca. Foi mais ou menos o seguinte. Eu era criança e queria que o tempo passasse logo pra eu poder pintar as unhas de esmalte vermelho, usar salto alto e trabalhar fora de casa, aí o tempo não passava e eu reclamava, e puxa, era incrível como entre um ano e outro se passavam décadas. Um dia, de repente, eu acordei  e tava num corpo de 20 e poucos anos (como naquele filme "de repente 30", só que com menos dinheiro e com bem menos sensualidade), completamente enrolada em mim, pedindo a sua ajuda! Acho que assim, quando a gente ama, quer ser correspondido. Né? É. Eu nunca quis que você me amasse, eu só queria que você me mantivesse acordada. É como se antes de você, eu existisse numa outra dimensão. E você me trouxe para esta, a da realidade. É como se eu fosse espermatozóide e óvulo antes de te conhecer. Não me lembro bem de quem eu era. Acho que eu não existia, apesar de existir. Você me acordou de um sono idiota que eu dormi em plena BR, um perigo. Lembrei agora da Bela Adormecida. Ah, a Aurora! (Sim, vocês sabem que sou uma eterna idiota romântica). Assim como o príncipe beijou a Aurora e ela acordou, você fez comigo. Só que de uma forma muito mais real. Talvez você tenha me acordado com uma baforada do seu maldito cigarro, ou talvez tenha me acordado da forma como eu gosto de pensar que foi: com o seu olhar. E agora eu me ferrei, bem. Toda vez que você pisca, eu deixo de existir. Virei prisioneira das suas pupilas. Pago o preço que custar pra continuar existindo nos seus olhos. Não me liberte, por favor.

domingo, 22 de julho de 2012

Saudades


1 - Sinto saudades do menino besta que você era.
Da cara de pseudo-segurança com a qual me olhava, e me deixava sem-graça.
2 - Sinto saudades da sensação paranóica que eu tinha de que você lia os meus pensamentos.
De todo o esforço que eu fazia para que os meus olhos, ou cada um dos meus poros, não denunciassem que eu já te amava, muito antes de dizê-lo.
3 - Sinto saudades do esforço que eu fazia pra disfarçar a taquicardia que você me provocava a todo o instante.
Antes de te amar, eu nunca tinha sentido o meu coração. Eu nem sabia que ele ficava mais para o meio do meu corpo do que "do lado esquerdo do peito", como dizem. (É, o amor ensina biologia, minha gente)
4 - Sinto saudades do brilho dos meus olhos, que timidamente olhavam para o brilho dos seus.
E você nunca ficava encabulado quando eu te fitava com a curiosidade com a qual uma criança que mora na cidade fita o mar pela primeira vez.
5 - Eu sinto saudades da hiperatividade adolescente das suas mãos, que estavam em todos os lugares ao mesmo tempo.
6 - Eu sinto saudades do sabor dos seus sonhos, quando você acreditava na beleza da maioria das pessoas.
7 - Eu sinto saudades dos seus carinhos gratuitos, que vinham sempre acompanhados de demandas dos meus carinhos, que tímidos que eram, tinham medo de te assustar.
8 - Eu sinto saudades do coelhinho, das tardes e noites de sótão, Dexter, Lost, coca-zero, chocolate, dos poemas do Neruda, das legendas românticas nas fotos do Orkut, e da trilogia do Senhor dos Anéis que eu nunca conseguia assistir acordada.
9 - Eu sinto saudades de quando você tinha alucinações visuais ao me ver, porque só isso explica o fato de você não enxergar as minhas estrias, o meu mau-humor, as celulites, as chatices com picuinhas, as gordurinhas localizadas, as incongruências,  ou quaisquer defeitos, e só sabia me achar perfeita.

Cada uma dessas saudades me dói profundamente, cada vez que me acometem.


10 – Mas a principal é que... Eu sinto saudades de quem nós éramos naquele tempo. E essa é a saudade que mais dói, porque eu não quero voltar no tempo. A nostalgia é uma delícia quando se deseja ser ontem. Mas eu amo ontem o suficiente para deixá-lo. Aí a nostalgia fica esquisita. Até porque, o ontem continua hoje. As pessoas que éramos coexistem em nós, ainda hoje, mas são óbvias demais para que nós a percebamos. Tenho saudades porque as saudades também provocam dores boas. Sei que eu te amo porque tenho saudades de ti todo o tempo, dos muitos homens e meninos que coexistem em você, inclusive de todos os que você virá a ser. Sinto saudades do que ainda nem nos tornamos. Sei que eu te amo porque o passado, o presente e o futuro ficam todos mesclados em mim. Sei que eu te amo porque me fundo a você, como num bolo mármore, onde você pode ver o que é um e o que é outro, mas não consegue separar o que é um e o que é outro. Sei que eu te amo porque esse negócio que eu sinto e chamo de amor, me põe a escrever um texto esquizofrênico. Mas é assim que eu te amo, barão, de um jeito esquizofrênico. 

sábado, 14 de julho de 2012

O amor tem gosto de sangue



Te cedo o meu corpo, porque você sabe lidar com ele muito melhor do que eu. Tento deixar a minha alma de lado e deixar de existir por um instante, pra poder ser sua. Como é difícil fazer o que é fácil.
Mas tenho sempre esse empuxo a complicar as coisas. O complexo me atrai, a simplicidade me repudia. Isso. É a simplicidade que não gosta de mim, e não eu quem não gosto dela. Na verdade eu amo a simplicidade, e acho que luto muito para encontrá-la. Mas ela é demasiadamente complexa, já nos advertiu a Joana, da Clarice. Só sei te amar de um modo complicado. Falo, falo, não me contento. Vou pra lá e pra cá sem me dar conta de que não saí do lugar. E você, que às vezes parece não me amar, às vezes parece que sabe mais do amor do que eu mesma, que o tenho o amor como projeto de vida. Acho que você me ama de um jeito descomplicado. Tenho inveja de você. Sim, eu, uma mulher, tenho inveja de um homem. Inveja do pênis, diriam os freudianos. Mas é inveja do amor. Morro de inveja do seu modo simples de me amar. Diz que me ama de vez em quando, me mostra que isso é verdade todos os dias, e ok, é isso, existe paz no seu amor. Já o meu amor, não me dá sequer uma amostra grátis de paz. Me diz coisas horríveis, me sussurra coisas lindas. Não me deixa ser plenamente feliz e nem infeliz. Deve ser bom ser plena, ainda que na infelicidade. Mas fico tomando choques térmicos da minha intensidade. Indo do céu ao inferno o dia todo. Você não sabe o tormento que é te amar, menino. A minha maior prova de amor por você é tolerar o meu amor por você. Tolerar você, por vezes é chato, mas o difícil mesmo, é me tolerar te amando. Como é difícil não ter garantias. Como é difícil gostar de viver nesse limbo que eu crio e alimento todos os dias. Como é fácil complicar. O amor tem gosto de sangue. E eu sempre fui dessas que ao se cortar, gosta de sentir rapidamente o sabor do sangue, mas não daria de conta de me embebedar dele. É isso. Quero sentir o gosto do amor, mas não dou conta de me embebedar dele. Garçom, um copo de amor, sem sangue, por favor.