Amor, meu. É o seguinte: a sua falta de palavras me irrita. Muito. Sim, eu sei que a gente funciona diferente. Enquanto eu pego as coisas no ar, você mal respira. Eu tuíto, vejo jornal e leio um texto técnico ao mesmo tempo. Você mal pode mascar chicletes e atravessar a rua sem morrer. Eu trabalho em diferentes coisas no mesmo dia. Você se dedica da forma mais digna a uma coisa de cada vez. É lindo o seu jeito de funcionar...até que ele não me envolva as minhas demandas insistentes de amor.
Mas daí você assiste o jornal ou o jogo de futebol e eu deixo de existir. Mas daí você dirige e não grava o que eu digo. Mas daí eu nunca sei quando é que você presta atenção em mim e quando é que você está só de corpo me ouvindo. Tá, isso é mentira. Eu sei quando é que você me ouve ou não, quando é que me olha ou não, quando é que grava o que eu digo ou não. Acontece que daí EU é que tenho que fingir que está tudo bem quando você me sorri amarelo. Porque senão eu te mato. Sim, meu bem. Eu te mato. (Vou ser sincera...escrevi "amo" e apaguei. É, confundi amo com mato).
Porque do amor pra morte, é um passo. (Apesar de que mato mais me lembra grama mal cuidada do que morte...) Pode parecer muito maluco isso pra você, que é uma pessoa que se veste de racional. Mas eu não me visto de sentidos. Me visto de sentires. Beiro à loucura à medida que te amo. Mato a minha pouca racionalidade à medida que te amo. E sim, "amor" e "a morte" são coisas próximas.
Aliás, é bem por isso que a sua falta de palavras me irrita. A morte, pra mim, é exatamente isso: racionamento de palavras. É, eu sei que você leria, se já não leu toda uma Bílbia. Eu sei que você lê todos os meus textos, leu todos os escritos de Saramago e de Alester Crowley. Sei que leria toda a obra de Freud ou de James Joyce. Mas você não internaliza as suas leituras. Digo, você não se apropria das palavras. Ou, não me presenteia com elas. Você não me diz mais do que uma frase.
(Pare de se defender.) Sim, eu sei que as suas ações me mostram que você me ama. Eu sei que você age, pensa e vive de forma a não me fazer duvidar do seu amor. Mas sinto muito, bebê. Eu sou mulher. Eu quero o impossível. Quero que você me recite toda a obra de Shakespeare, no mínimo. Porque a minha alma se alimenta de palavras. Você satisfaz o meu corpo, facilmente. Mas a minha alma é tão carente...
(E faço uma ressalva antes que eu te desencadeie uma crise existencial...não entenda como uma crítica à sua pessoa real. Mas como um desabafo da minha insatisfação de estimação).
Da toda sua Não-Toda.